07/08/12

Há coisas sobre o meu avô que apenas o meu tio sabe. Outras que só a minha mãe recorda. E haverá aquelas histórias dele que vivem em mim e em mais ninguém – talvez nem nele próprio. Uma pessoa desmembra-se, assim, em várias. A pessoa não é isso, essas partes desconexas, filtradas, não... Mas são elas as marcas de onde pisou. E, ao contrário do que se possa pensar, o rasto não serve só para identificar uma passagem: ele é também um caminho em si. Um caminho novo, que leva ao outro verdadeiro. Nesse outro, julgo, encontrar-nos-emos todos mais cedo ou mais tarde. E compreenderemos que nada é tão real como a unidade.
Poderemos fazê-lo antes de morrer? Aguentaremos o peso da paz? Brilham os olhos das crianças. Nada tem limites.

17/03/12

(...)

Meter-se dentro de alguma coisa fazendo das palavras recurso é ingrato. Contar de lugares, de cheiros, de olhares e do que se nos mete na pele no momento em que o vivemos deixa não só a certeza da parcialidade das coisas, mas também um pequeno vazio dentro, esse da verdade que acabámos de assassinar. Morta para sempre. O relato é tão falaz como a memória.

13/03/12

ideias de outro lado

Pode viver-se de forma contínua, pode viver-se em fotografias. Um momento aqui, outro ali. Pedaços congelados de realidades incompletas que formam memórias pensadas. A memória profunda é outra, não se pensa. Memória daquilo que somos, do som eterno da vibração própria. Essa é contínua, flui sem cessar, como o sangue que corre e corre e corre...

21/12/09

La leyenda del perro amarillo

Um dos filmes mais bonitos que já vi...

19/08/09

de lá para cá

Viajar. Viajar é um daqueles verbos que enchem qualquer frase em que se vejam metidos. Sai-se do hábito num pico de expectativa e de deslumbramento com os próprios passos, com uma segurança que nasce do medo quase paralisante… Da superação dos medos nasce a euforia que leva depois ao apaziguamento consigo próprio, ao entendimento profundo de que somos uma entidade perfeita em que nada falha. Nada, nunca, falha. Tudo é.

Se soubéssemos aquilo que cada viagem nos reserva, não seria uma viagem. Na verdade, chegar onde quer que seja não tem o mesmo impacte do que se sente até lá. Mas a meta tem importância porque sem ela não se começaria nada, sem ela o primeiro passo não seria dado ou, pelo menos, o segundo não manteria o rumo. Este é o encanto dos objectivos: promovem a acção.

Um amigo emprestou-me um livro, chama-se “mood of future joys” e relata na primeira pessoa uma volta ao mundo de quatro anos em bicicleta. Por alguém que saiu de Inglaterra lavado em lágrimas, querendo voltar para trás a cada segundo. Então por que o terá feito? Por que não cedeu ao instinto de dar meia volta, fazer soar a campainha da bicicleta no quintal dos pais, gritar aos amigos que ali ficava, encontrar de novo os braços da namorada?... É difícil de explicar, nem o próprio consegue.

Superar medos é crescer, é ir mais além. Quase todos queremos a segurança, em diferentes graus e de diferentes maneiras, mas poucos são os sábios que procuram desafiar-se constantemente. Dá trabalho. Mas como tudo o que é trabalhoso, tem retorno. Stanislavski dizia aos seus alunos que a cada dia deviam fazer uma coisa que lhes metesse medo, ainda que ao fim de um tempo pudessem começar ficar sem ideias. Ainda que se dedicassem a medos pequenos, coisas tontas. Penso que a ideia fosse progredir todos os dias um pouco mais no sentido de chegar ao interior de cada um. Porque, se pensarmos bem, os medos vão-nos sendo acoplados a partir do ambiente. Quando nascemos não tememos nada, existimos em estado puro e absoluto. E voltar aí é, sem dúvida, a verdadeira meta. No fim, tudo acaba como começou. O que fizemos entretanto? A quem andámos a enganar senão a nós mesmos?

09/08/09

being back

Abro uma página na internet e leio um link associado que diz “Fotoadrenalina de 17 dias na Índia e no Nepal”. Logo me ponho a pensar nos meus novos colegas de trabalho, nove almas do Bangladesh, uma da Índia. Adrenalina é tudo menos o que transmitem as suas caras serenas e sorridentes. Pelo menos ao fim da noite, quando nos sentamos todos a contar gorjetas… No pico do stress nocturno do restaurante, lá para as dez horas, há um claro lapso comunicacional entre a cozinha e a sala: cá fora os grunhidos são em português, lá dentro viaja-se de repente para oriente e a verdade é que se não cheira a caril, quase parece que sim. De Sara, passo logo a Zhala (ou “minina” para quando a língua quer ser mais rápida que o cérebro) e muitas vezes a melhor opção é saltar directamente para o inglês que, em conjunto com alguma mímica, lá vai facilitando a coisa. Bottle, water, large! tem resultados muito mais eficazes do que passa-me uma água de litro se fazes favor. Ainda por cima traz à situação uns laivos de filme cómico.

É divertido trabalhar num restaurante. Uns gritam só porque sim. Outros também. Há ainda quem julgue que aquilo é a tropa e que a posição que lhe coube foi a de general. O truque é ter muita calma: com os clientes, com os chefes, com os colegas. E manter presente que estar ali é como saltar de dimensão, entrar num jogo em que cada pessoa tem determinado papel. É preciso concentrar-se para saltar por cima dos fossos e atravessar as areias movediças, conseguir apanhar todas as moedinhas possíveis, de passagem combater o dragão com a espada que se encontrou no túnel secreto e, se possível, cheirar ainda as flores pelo caminho (isto só para os mais audazes). Ao fim da noite estamos cansados – pela concentração e pelo movimento, pela dança que tem que ser fluida – mas não nos dói os olhos, nem a cabeça nem as costas. Vimos muitas caras, falámos com muita gente, sorrimos muitas vezes. Eu sorrio sempre com sinceridade e isso faz-me sentir bem.

07/03/09

vontades

A textura das situações, como se fossem coisas, a textura de um sorriso, tal como do tampo de uma mesa ou da frieza de um copo, era, de facto, o que eu gostava de escrever.